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A Noiva do Infinito

 O céu azul, sem nuvens, convidava aos sonhos e devaneios, e lá longe no infinito surgia um pontinho prateado, depois foi tomando forma até definir-se. Maria Helena sentada em um dos coretos de seu imenso jardim entregava-se às recordações doces de seu noivado e casamento com Sandro. Seus longos cabelos castanhos esvoaçavam levemente ao movimento da brisa que vinha do mar. Sentia uma felicidade imensa, como nunca havia imaginado. Em seu coração, o mar, a terra, o céu e até mesmo o ar, eram pura poesia. Na casa, sua avó dedilhava ao piano uma música erudita alegre que lhe parecia abranger todo o universo. Essa emoção era o amor em toda sua essência dominando não só o coração, mas todo o seu ser. E lá no infinito, Maria Helena viu surgir contrastando com o céu azul, o avião prateado. Seria Sandro voltando para casa?

Ou não... O coreto emoldurado por trepadeiras de cores variadas, parecia ser o perfeito cenário para um pintor retratá-la numa obra imortal que pudesse ser admirada no futuro.

De repente, apesar do tempo claro, pareceu esfriar e um estranho pressentimento tomou conta de seu coração; levando a mão ao peito levantou-se inquieta perscrutando novamente a imensidão dos céus. Resolveu adentrar ao casarão e refugiar-se em seus aposentos. Há pouco sentia-se tão feliz e agora o medo, a incerteza do futuro. O receio de que algo funesto acontecesse ao seu amor lhe causava calafrios, deixando-a angustiada. Tentou afastar os pensamentos ruins, folheando o álbum de seu casamento e lua de mel. E assim o tempo foi se escoando lentamente, sem contudo, afastar seus maus pressentimentos. Ao ouvir o telefone tocar, estremeceu, mas permaneceu ali quieta, olhando a porta com receio que alguém entrasse com uma má notícia. 

 

 

 

 

E esse temido momento chegou.

Sra. Lola e Dr. Gaspar foram ao seu encontro abraçando-a, e sua mãe não se contendo pôs-se a chorar. O resto seu coração adivinhou. Sentiu a cabeça rodar, rodar e desmaiou.

Quando essa fase terrível passou, a jovem viúva encerrou-se no quarto, não saindo dali para lugar nenhum. Pouco se alimentava, preocupando a família por demais. Às vezes chegava até a sacada do seu quarto e ficava contemplando o infinito por longo tempo.

Por vezes, notava-se em seu semblante pálido um leve sorriso oriundo do mundo de fantasia que criara, imaginando-se voando com Sandro, rumo ao infinito. Nestes momentos cerrava as pálpebras e chegava a sentir as mãos de Sandro nas suas, o roçar de seus lábios nos seus e sua voz: - Venha querida, vim te buscar, o infinito nos espera.

E assim, cada vez que despertava de seus devaneios, por algum ruído, ao constatar a dura realidade da falta do seu amor, ficava mais abatida que antes e desejava a morte, para ficar a seu lado, onde quer que estivesse. E essa ideia foi amadurecendo em seu coração e em sua mente, até tornar-se uma obsessão. O infinito não tinha limites e a chamava na pureza do céu azul, nos raios dourados do sol e em algumas nuvens branquinhas, paradas ou se movendo ao sabor do vento. A noite o brilho das estrelas a chamava, assim como a lua parecia convidá-la a alçar voo até ela. A saudade oprimia seu coração e então soluçando se perguntava; - Como alcançar o infinito? O caminho não seria através da morte? - E ela se imaginava vestida de noiva, de mãos dadas com Sandro, rumo ao infinito. Lá então, seriam felizes, nada mais haveria de separá-los, nem mesmo a morte, mesmo porque esta, já teriam superado.
Quando a fadiga e a fraqueza a venciam, se prostrava no leito e seu sono era povoado de sonhos, ora bons, ora nem tanto. Fosse como fosse, gostaria de não despertar nunca. A depressão foi tomando conta, corroendo sua saúde. Contudo, ainda tinha forças para escrever longas cartas para Sandro, onde transcrevia todo seu amor e ânsia de encontrá-lo um dia no infinito. 

Naquela noite, sonhou que estava vestida de noiva e sentiu a mesma felicidade que sentiu no dia do seu casamento. Um longo caminho de flores ornava os céus e lá longe, havia um lindo altar que se afastava entre as nuvens, deixando-a angustiada. Porém seu grande amor vestido com o uniforme de gala da aeronáutica, veio e a conduziu por aqueles caminhos nos ares. Dos lados deste caminho havia uma grande multidão que cantava uma estrofe que nunca ouvira antes, feita especialmente para ela. Nesta estrofe o povo cantava: _ "Seja bem vinda, noiva do infinito". E a alegria e felicidade que sentia eram tão grande, que ao acordar não quis se destituir de tal euforia. Sentiu em sua doce loucura de amor, que chegara a hora de ser finalmente feliz ao lado de Sandro.

Após o banho, vestiu-se com esmero como há muito não fazia e desceu para o café da manhã, cumprimentando com alegria seus familiares, que viram nesta atitude, o fim de seu luto, de sua tristeza, deixando a todos felizes.

Passou o dia alegre, conversando um pouco com cada um, passeou por todas as alamedas do imenso jardim da mansão, acariciou o pavão, assim como outros pequenos animais que transitavam pelas alamedas e até foi à praia dar um mergulho, sentir o bater das ondas em seu corpo, como se quisesse sentir a vida em toda sua plenitude num dia só.

Ao voltar passou na farmácia, sentindo no caminho a carícia do sol. Após o jantar, Maria Helena dedilhou ao piano suas músicas preferidas e também da família, encantando á todos, e, por último "Danúbio azul", a música preferida de Sandro. Ao dar boa noite ao seus familiares, fez questão de abraçar a todos murmurando palavras de carinho a cada um. Esta atitude estranharam sim, mas atribuíram a uma nova Maria Helena que parecia estar renascendo naquele dia, mas assim mesmo deixou sua avó e mãe, pensativas.

Na manhã seguinte, estranharam o fato da moça não ter descido para o desjejum, como era seu hábito antes da terrível tragédia com Sandro. Na catedral, acabara de soar as dez badaladas, causando certo desconforto na senhora Lola que na sua sensibilidade aflorada lhe pareceu notar uma conotação triste em cada badalada. Pensou em Maria Helena. Sendo assim, pediu à empregada que subisse e chamasse a filha para o desjejum. Esta, atendendo ao pedido da patroa, subiu e bateu a porta do quarto. Como Maria Helena não atendeu ao seu chamado, entrou. Estarrecida, contemplou a moça vestida de noiva, inerte sobre a cama.

Impossível narrar em poucas palavras, o desespero de todos. Dr. Gaspar ao ser chamado cancelou todas as consultas e veio o mais depressa possível. Constatou que seu pulso batia levemente. Pelo quadro geral sabia na sua experiência de médico que nada mais restava a fazer, mas agarrou-se a tênue esperança de salvar a filha querida e isso requeria urgência. Desatinado, tomou-a em seus braços, desceu as escadas. No jardim da praia, como louco desesperado, gritava

- Pelo amor de Deus, um médico! Salvem minha filha! Pelo amor de Deus, rápido! A cena atraiu o povo. E por coincidência, naquele momento por lá também passava outro médico, colega do Dr. Gaspar. E este, constatou pesaroso que nada mais restava a fazer.

Um bando de gaivotas cortou os ares, voando em direção ao mar cujas ondas morriam na areia, tranquilas. No céu azul, o sol brilhava refletindo seus raios dourados nas águas que jorravam da fonte, cujo beiral, Dr. Gaspar havia sentado. Com a filha vestida de noiva nos braços, dava vazão a sua dor, chorando e embalando-a como se ainda fosse uma criança, completamente alheio a multidão a sua volta. E assim se foi na sua doce loucura, a Noiva do Infinito...

(ONILDE SIQUEIRA SOUZA PIRES)

 

Sobre a autora: Escritora, poetisa e autora do conto "A Noiva do Infinito", publicado pela Editora Scortecci no livro Nossas Histórias, Nossos Autores", Volume 1. Co-autora do livro "Alvo Fácil" também publicado pela Editora Scortecci, e é autora do livro infanto-juvenil “Autobiografia do Apolo” e do livro "ANTOLOGIA DE CONTOS, CRÔNICAS E POESIAS", da Editora Garcia.

 

 Contato da autora: tupan_onilde@yahoo.com.br

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